A fertilidade feminina depende da integridade do sistema reprodutivo da mulher, mas não somente dele. Também deve estar em perfeito funcionamento o sistema endócrino, que controla as funções reprodutivas pela ação hormonal, e o sistema circulatório, responsável, entre outras coisas, pela irrigação e nutrição do útero e demais estruturas do sistema reprodutivo.
O sistema circulatório, também chamado cardiovascular, é formado pelo coração, artérias, veias e capilares sanguíneos. Está intimamente conectado ao sistema respiratório e seu funcionamento acontece de forma cíclica, ou seja, o sangue está sempre em circulação.
A função de nutrição e oxigenação do sistema circulatório é realizada pelas células que compõem o sangue: plasma, glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas, e cada componente desempenha uma função específica nesse processo.
As plaquetas, ou trombócitos, são partículas semelhantes a células e atuam no processo de coagulação e cicatrização de lesões. A coagulação é um dos processos desempenhados pelas plaquetas e acontece quando estas partículas se reúnem no local onde ocorreu a lesão ou hemorragia, aglutinando-se de maneira a formar um tampão, que possa encerrar o sangramento.
Quando a quantidade de plaquetas é demasiadamente elevada, o sangue pode coagular de maneira excessiva causando a formação de massas (coágulos) com potencial para bloquear o trajeto do sangue nas veias, artérias e capilares, levando à trombose.
As desordens de coagulação caracterizadas por uma predisposição aos eventos trombóticos são chamadas de trombofilias e ocorrem por alterações genéticas ou adquiridas.
Este texto mostra o que são as trombofilias e como essas alterações podem afetar a fertilidade das mulheres.
A trombofilia é uma condição genética, que indica uma predisposição à formação de coágulos trombóticos, ou simplesmente trombos, gerada por um quadro de hipercoagulabilidade, ou seja, quando as taxas de coagulação do sangue estão descompensadas e aumentadas.
A etiologia das trombofilias é diversa e, dependendo do caso, as causas dessa condição podem ser genéticas, expressas por mutações em genes que codificam fatores pró coagulantes e anticoagulantes, e adquiridas, quando são desencadeadas por doenças autoimunes, como a síndrome antifosfolípide (SAF), ou resultantes de um estilo de vida não saudável.
A trombofilia apresenta maiores taxas de incidência nas mulheres com histórico familiar para esses transtornos, além de quadros prévios de diabetes, obesidade e hipertensão e também por hábitos que envolvem o tabagismo e o alcoolismo.
Apesar de considerada rara, estudos mostram que as trombofilias podem ocorrer em 50% dos casos de tromboembolia, e são um fator de risco para ocorrência de complicações gestacionais, já que aproximadamente 75% dos casos de mortalidade neonatal podem ser decorrentes de trombofilias.
Isso não significa que a simples condição de trombofílica implique necessariamente em um evento trombótico, porém na gravidez há um aumento de capacidade de coagulação do sangue, com objetivo de proteger a mulher de hemorragias especialmente relacionadas ao parto.
Isso faz com que o risco de trombose aumente em até seis vezes mais em mulheres grávidas, e que essas mulheres apresentem mais perdas gestacionais e partos prematuros, do que na população em geral.
Além dos riscos mencionados, a trombofilia pode prejudicar a fertilidade por afetar a própria fecundação, já que os problemas de irrigação do útero interferem também na composição do endométrio, podendo causar danos ao processo de nidação.
Mesmo a condução de gestação em si pode ser perturbada nas mulheres trombofílicas, principalmente por disfunções na vascularização placentária, o que aumenta o risco de abortamentos de repetição, precoces ou tardios, descolamento prematuro da placenta e restrição do crescimento fetal.
As trombofilias ocorrem fatores hereditários, resultantes de mutações genética, e por fatores externos, como hábitos de vida não saudáveis, incluindo má alimentação, tabagismo e etilismo, que aumentam os riscos para hipertensão, diabetes e obesidade.
A trombofilia adquirida normalmente ocorre em decorrência condições clínicas secundárias, como neoplasias, doenças autoimunes – como a síndrome antifosfolípide (SAF) – e o uso de medicamentos, como anticoncepcionais orais combinados, heparina e nas terapia de reposição hormonal, típicas da menopausa.
Nas trombofilias hereditárias há predisposição genética para eventos trombóticos, comumente causada por mutações que levam a deficiências de fatores anticoagulantes – como proteína S, proteína C e fator antitrombina –, ou ao excesso de fatores pró coagulantes – como Fator V de Leiden, fator protrombina e mutações na codificação da enzima MTHFR.
Na maior parte dos casos, os eventos trombóticos são desencadeados por uma associação de fatores genéticos e fatores externos, como acontece quando uma mulher trombofílica engravida e a gestação precipita o evento trombótico, resultando, em muitos casos, em perda gestacional.
Os sintomas da trombofilia podem estar associados também à sua etiologia: na trombofilia hereditária os eventos trombóticos ocorrem no sistema arterial, precipitando eventos como acidente vascular cerebral (AVC) e embolia pulmonar, enquanto a trombofilia adquirida afeta principalmente o sistema venoso, provocando a formação de trombos nos membros inferiores de forma mais recorrente.
Um dos principais sintomas de que um evento trombótico está ocorrendo é a presença de dores localizadas nas pernas, que se manifestam de forma constante, seja com a mulher para ou em movimento, além de inchaço, calor e, em alguns casos, mudanças na tonalidade da pele, que pode se mostrar azulada, especialmente no local onde o trombo está localizado.
Quando a hipótese de trombofilia é levantada, incluindo os processos de investigação para infertilidade, um dos primeiros exames a ser solicitado é o exame de sangue com contagem de glóbulos vermelhos (hemograma), glóbulos brancos (leucograma) e de plaquetas.
Alguns exames mais complexos, normalmente solicitados após a confirmação de alterações plaquetárias pelo exame de sangue, podem obter informações sobre a possibilidade de predisposição genética e sobre quais eventos podem ter precipitado o evento trombótico.
Entre eles, os exames de dosagens proteicas para a investigação das vias plasmáticas anticoagulantes em busca de deficiências de antitrombina, proteína C, proteína S, e da presença de anticoagulante lúpico ou anticorpos antifosfolípides.
A abordagem terapêutica para o tratamento da maior parte dos casos de trombofilia, em sua maioria, baseiam-se na administração de anticoagulantes. Como esta é uma doença crônica, as abordagens terapêuticas devem ser feitas individualmente e, nos casos mais severos, é aconselhável que o tratamento seja realizado de forma continuada.
Porém, os riscos desse tipo de medicamento demandam que o diagnóstico seja feito da forma mais precisa possível, especialmente para as mulheres trombofílicas que desejam engravidar.
Estudos afirmam que o uso de anticoagulantes durante a gravidez deve ser analisado com extremo cuidado, já que há um risco maior para complicações fetais e maternas.
Mesmo quando a mulher decide recorrer às técnicas de reprodução assistida para tratar a infertilidade, recomenda-se que o tratamento para trombofilia seja feito antes de dar início à FIV (fertilização in vitro), pois essa condição pode diminuir consideravelmente as taxas de sucesso dessa técnica.
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